Nota pública – Crime ambiental da Vale S.A. em Minas Gerais
O Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental (CEPEDIS), vem a público manifestar repúdio ao crime ambiental que resultou no rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro da empresa Vale S.A., em Brumadinho, Minas Gerais, a 60 km de Belo Horizonte, em 25 de janeiro de 2019. Da tragédia, estimam-se cerca de 300 pessoas desaparecidas, entre trabalhadores(as) e centenas de famílias atingidas por mais esse crime ambiental, tragédia anunciada e que poderia ter sido evitada se não houvesse o notório mau funcionamento da fiscalização ambiental, o desaparelhamento dos órgãos e a flexibilização do processo de licenciamento ambiental pelas entidades competentes estaduais no ano de 2018.
Consternados com mais esse crime ambiental de proporções inestimáveis que se repete no Estado de Minas Gerais, nós, pesquisadoras e pesquisadores de Direito Socioambiental, exigimos a apuração do crime e a responsabilização da empresa, considerando o caráter objetivo da responsabilidade ambiental e as reparações das violações de direitos humanos devido ao deslocamento forçado das famílias atingidas e da comunidade do povo Pataxó Hã-hã-hãe.
Exigimos que as medidas em caráter emergenciais sejam devidamente tomadas, a fim de minimizar a extensão dos irreparáveis danos socioambientais na bacia hidrográfica. Além disso, entendemos que além do crime ambiental propriamente dito, os responsáveis também deverão responder por homicídio doloso (dolo eventual) em relação às vítimas fatais, pois a empresa assumiu o risco do evento, ao não tomar as medidas necessárias para evitá-lo.
Repudiamos toda e qualquer iniciativa do poder executivo e legislativo que represente retrocesso na proteção ambiental para beneficiar os interesses das mineradoras com violação dos direitos coletivos e do direito à vida, sem o mínimo de cautela na proteção dos territórios e direitos das comunidades atingidas. Como visto, a defesa da flexibilização das leis ambientais, em especial quanto ao licenciamento, fiscalização e aplicação de sanções, facilita e institucionaliza a ocorrência de tragédias desta natureza.
Denunciamos as péssimas condições em que são elaborados os licenciamentos ambientais no País, não apenas das barreiras de contenção de rejeitos minerais, o contínuo descumprimento das leis em benefício de duvidosos interesses econômicos, a ausência de uma efetiva participação das comunidades potencialmente atingidas, assim como silenciamento e perseguição das entidades que denunciam as irregularidades e crimes praticados pelas multinacionais em território brasileiro.
O cenário de destruição em Minas Gerais é desolador, compromete a confiança dos brasileiros em suas instituições e afeta a imagem do Brasil em sua capacidade de cumprir com as obrigações que assumiu nos campos econômico e ambiental. É inaceitável a manutenção do modelo extrativista predatório concebido apenas para gerar commodities, com prejuízo de vidas e destruição de nossos bens socioambientais mais preciosos, como nossos rios, matas, biodiversidade, ameaçando, portanto, a própria existência humana.
Considerando que no momento encontra-se no poder um governo declaradamente contrário às políticas de preservação do meio ambiente e inimigo dos direitos humanos, esperamos que as trágicas consequências possam servir de alerta sobre os rumos desastrosos a que essa política poderá conduzir o País.
Alertamos, ainda para os riscos de decisões tomadas por uma postura de acirramento de políticas neoliberais, defendidas pelo atual governo, a partir de um discurso de desenvolvimento econômico baseado na exploração e expropriação dos recursos naturais e dos seres humanos. Este desenvolvimento a que se propõe a postura política atual é insustentável do ponto de vista socioambiental, pois parte do pressuposto que a natureza é um recurso inesgotável e opera com absoluta insensibilidade em relação à exploração do trabalho humano e das consequências às diversas comunidades afetadas.
Há que se esperar, portanto, que episódios como este não venham a se repetir e que haja a fiscalização devida das condições de operação das barragens existentes no estado de Minas Gerais e no Brasil. Que o poder público reveja sua posição contrária ao endurecimento das normas ambientais brasileiras, de modo a beneficiar toda a sociedade, pois a defesa do meio ambiente é de interesse difuso e evita tragédias como a ocorrida em Brumadinho, poupando vidas humanas e preservando a natureza.