Órgão máximo do Ministério Público Do Paraná reafirma a constitucionalidade das leis Faxinalenses

Por André Hl Dallagnol*

O voto vencedor da Conselheira Mônica Louise de Azevedo, do Conselho Superior do Ministério Público no julgamento ocorrido no dia 03 de abril confirma a Constitucionalidade das Leis faxinalenses, afirma:

“(…) esta experiência de grande importância ecológica social, histórica e cultural deve ser protegida pelo Poder Público, na perspectiva de constitucionalidade material da função da propriedade.”

Trata-se de decisão histórica porque muitas promotorias locais titubeavam sobre a aplicação e garantia dos direitos faxinalenses, mesmo previstos em Lei.

A Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses – APF luta, desde a sua formação em 2006, pelo direito ao autorreconhecimento dos faxinalenses como comunidades tradicionais, e os direitos dele decorrentes, especialmente aqueles que impõem ao Estado e à coletividade o dever de respeitar seus modos próprios de criar, fazer e viver, presentes nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

O movimento lutou e ainda luta muito para a criação, e aplicação da legislação que teve a constitucionalidade questionada pela promotoria local, quais sejam, a Lei Estadual 15.673/2007, que reconhece a identidade coletiva faxinalense, como comunidades tradicionais, e reconhecer a força jurídica dos seus acordos comunitários, o Decreto Estadual 3.446/1997, que possibilita a criação de Áreas Especiais de Uso Regulamentado, uma espécie de Unidade de Conservação, destinada à proteção da ecologia faxinalense, e a Lei Municipal de São Matheus do Sul 1.780/2008, que dá aplicabilidade local às normas constitucionais, convencionais, e da legislação específica, possibilitando que o Município tenha co-responsabilidade na garantia da implementação dos Acordos Comunitários e faça a destinação dos recursos oriundos do ICMS-Ecológico, repassados aos Municípios onde existem as Áreas Especiais de Uso Regulamentado.

A Lei Estadual, sancionada em 13 de novembro de 2007, é fruto da mobilização da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses após a eclosão de uma série de conflitos nos territórios, pelo reconhecimento de sua identidade coletiva e dos seus modos próprios de organização e disposição territorial, essa Lei rompe com a invisibilidade que esses povos vinham sofrendo desde tempos imemoriais, mas que se acentuou a partir da chamada “revolução verde” e se conecta não só com os artigos 215 e 216 da Constituição Federal, mas principalmente com a Convenção 169 da OIT, garantindo às mais de 220 comunidades faxinalenses automapeadas, e às mais de 40 mil pessoas que elas representam, o direito de ser e estar faxinalense em seu território, e possibilita isso ao reconhecer e a força jurídica dos Acordos Comunitários elaborados pelas comunidades faxinalenses.

Os Acordos Comunitários são o principal instrumento agregador da territorialidade faxinalense, é através dele que as comunidades definem as normas de uso comunitário do território e a definição de outras regras de organização social que essas comunidades julgarem necessárias de acordo com as suas realidades locais, e se materializa como instrumento que mantém viva e dinâmica a estrutura das sociedades faxinalenses, trazendo para o plano da realidade o que está previsto nos artigos, 5º, 6º, 7º e 8º da Convenção 169 da OIT.

Na qualidade de Advogado Popular que presta assessoria ao movimento faxinalense, avalio que a decisão que ignorava os conflitos levados ao conhecimento da promotoria local – cercamento de áreas dentro do “criador comunitário” recortando parcela do território faxinalense e impedindo a livre circulação dos animais que são criados “a solta”, bem como a livre circulação dos faxinalenses a algumas áreas de cultivos  – e declarava essa legislação faxinalense inconstitucional representava  grande retrocesso semelhante, guardadas as devidas proporções, àquela vivenciada nos últimos anos pelos Quilombolas, através da ADI 3239, que questionava a constitucionalidade do Decreto de titulação das terras quilombolas o 4887/2003.

Felizmente ambos os casos tiveram um desfecho a favor dos Povos Tradicionais, no sentido de se reafirmar a constitucionalidade das leis e decretos que protegem seus direitos. Porém as motivações que levaram às tentativas de declaração de inconstitucionalidade tem raízes semelhantes, quais sejam o modelo autoritário de Estado, a fundamentação do direito hegemônico na propriedade privada, sendo que no caso quilombola ainda havia o racismo como fator preponderante.

De modo geral, nesse tempo de luta, os faxinalenses e outros Povos e Comunidades Tradicionais vêm obtendo vitórias importantes, seja através da aprovação de Leis e outros instrumentos jurídicos, seja através de vitórias nos tribunais, é natural que essas vitórias e conquistas acabem causando fortes reações por parte dos antagonistas, especialmente em momentos delicados como o que estamos vivenciando atualmente, onde o próprio modelo democrático está sendo colocado em cheque, mas é interessante notar que para negar os direitos os antagonistas buscam negar as identidades, isso é característica marcante das nossas raízes coloniais, onde os colonizadores acostumados a ter o direito de atribuir nomes e identidades conforme suas visões de mundo, encontram-se confrontados pelo direito conquistados por esses povos de se autoatribuirem, e a partir dessa auto atribuição e da sua própria visão de mundo, determinar o seu destino.

Nisso é importante destacar a importância da mobilização protagonizada pela Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses, que  contou com o apoio para a defesa de seus  direitos de um grande coletivo formado por Advogadas e Advogados Populares  do Centro de Pesquisa e Extensão em Direitos Socioambientais da PUC/PR – CEPEDIS,  pelo Núcleo de Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do Instituto Federal do Paraná – NUPOVOS,  pelo Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais – CPICT, e o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos – CAOPDH, órgão do Ministério Público que, há anos, tem realizado um trabalho importantíssimo no sentido de garantir que a legislação faxinalense seja aplicada. O CAOP de Direitos Humanos teve papel fundamental nesta vitória, pois fundamentou, em mais de 50 páginas, a história e a constitucionalidade das leis protetivas dos faxinais, e também foi responsável pela recente suspensão das reintegrações de posse no Município de Pinhão que ameaçavam uma série de comunidades tradicionais faxinalenses do município. Atualmente a luta dos Povos e Comunidades Tradicionais do Paraná tem conquistado novos apoios, como a Defensoria Pública do Paraná, e isso é importante para formar uma rede capaz de contribuir para que a luta faxinalense continue avançando e que o protagonismo dessa vitória seja sempre do povo em movimento.

Essa vitória é importante, mas assim como foi a vitória Quilombola no STF ela marca apenas mais uma etapa na longa luta que esses povos  têm pela frente.

O Inquérito Civil, de onde essa situação se originou, deve ser remetido novamente para a promotoria local, uma nova(o) promotora(r) deverá ser nomeada(o), e toda a situação do cercamento da área (fecho) deve voltar a ser discutida, outras lutas virão, mas agora a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses sabe a posição institucional do Ministério Público.

Por tudo isso, e muito mais que haveria de ser dito, o posicionamento do órgão máximo do Ministério Público do Paraná acertou ao confirmar a constitucionalidade da legislação faxinalense, pois garantiu um direito que não é só faxinalense, não é só dos Povos e Comunidades Tradicionais, mas é de toda a coletividade, o direito de vivermos em uma sociedade plural.

NO DIREITO OU NA LUTA ESSA TERRA É FAXINALENSE!!!

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*André Hl Dallagnol: Advogado Popular parceiro dos movimentos de Povos e Comunidades Tradicionais do Paraná (Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais), mestrando em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília-MESPT/UnB.

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